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Sub specie aeterni

Posted by Eve Rojas on 12:19 PM
Para sonhar é preciso ter uma dose relativa de falta de senso, de desobediência à lógica cotidiana e de exercício das suas próprias leis. As leis primárias do desejo. Desconsiderando a realidade, tolerando as contradições, desconhecendo a temporalidade e buscando irrefreadamente a realização de seus impulsos. Livre de censuras e recalques. Apenas vive-se. E então nesse momento não existem mais sonhos, mas sim um novo configurar da realidade. Contudo nem todo desejo se remete ao terreno do real ou realizável. Como o homem nunca foi senhor em sua própria morada, não basta querer. Na cidade onde as idéias buscam sua expressão, o sonho, afilhado do inconsciente, oferece ao desejo, na casa do seu padrinho, a real ilusão. Ah, vida de neuroses! Funcionar, utilizar, competir, comprar, pertencer, re-agir, racionalizar, virtualizar, vencer, se adequar! E quando não existem mais sonhos e os desejos são substituídos por pílulas do prazer que já não há? Presenciamos a aventura dos homens vazios à procura de saídas mecânicas para a angustia de subsistir na cadeia das regras sociais. Excêntricos robôs.

Ah, mas quem pode falar de realidade, ein Baudrillard? Se Nietzsche matou Deus, se a razão também morreu, e se o real é só mais uma cópia perfeita de um agora que nunca ocorreu? Nem mesmo sei quem ser diante do eu. Pessoas perfeitas, mundo perfeito. Positividade totalizante. Não faço parte desse planeta não. Meu universo tem dois pólos: positivo e negativo – e muito negativo por sinal, graças a Deus (!). Com astros inexatos, planetas incoerentes, estrelas de-cadentes, atmosferas fluidas, gases confusos, gravidade interativa, tempo/espaço alterado, elementos desunidos e interdependentes do acaso. Não é apenas caótico, é casual e despretensioso. Porque o ser é assim. Imperfeito. Por mais que o simulacro diga o contrário. Sim, mas entre realidade e simulacro, ainda posso falar na dissimulação do ser diante do fato. Ou ainda, nas conseqüências não-pretendidas da imperfeição. Consoante a Cioran: o ser humano seria capaz de realizar os atos mais nobres pelas razões mais vis. Eita vocação a miséria! Mas nesse emaranhado de expressões, estou aderindo a psicose. Como diria Hegel, na verdade é tudo culpa da linguagem homogeneizante. Mas eu não queria ser inteligível, só queria entender minhas determinações individualizantes. Diante disto, do todo e do eu, à beira do abismo do fracasso da significação chego aos escombros da minha própria existência. A luz que me vem da obscuridade de minha alma me faz olhar para o espelho, nua, sem mais ter como reflexo a farsa da inocência. Sou irremediavelmente finita e imperfeita. Que assim seja. Um “viva!” a transitoriedade que nos leva, a cada tentativa de fuga, ao profundo de nós mesmos.

Já olhou o pôr-do-sol, na sua praia preferida, no seu lugar predileto, com ou sem as suas pessoas escolhidas e percebeu, enquanto anoitecia, as estrelas surgiam e o vinho acabava; a efemeridade da sua vida? Eu já. E na contramão de todo argumento plausível, coerente, psicanalítico, sociológico, econômico ou político, eu recordo-me e só me faz sentido o poético de Clarice: “Sonhe”. Não se afunde nos charcos da existência. Não se torture, não se ressinta. Sonhe. Com tudo aquilo que quiseres. Seja. Sempre de acordo com toda a verdade existente em seu ser. Viva. Porque tu só tens uma chance. A receita de Clarice para a vida nos ensina: primeiro junte bastante felicidade até torna-la agradavelmente doce, acrescente dificuldades para torna-la forte, um pouco de tristeza para torna-la humana e ao final basta acrescentar esperança suficiente para faze-la feliz. Pronto. Ainda segundo Lispector, a felicidade só aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam, para os que buscam e tentam sempre. Meio cruel isso, não é? Todavia sabemos nós no passo a passo da vida diária que o pêndulo é necessário. Ao menos a mim. Sendo assim, nas palavras de Luiz Fernando Veríssimo: “não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar”; viva intensamente porque a vida só vale a pena desta forma. Pelos momentos em que não sabemos justificar ou prever a próxima respiração e mesmo assim há algo que nos faz permanecer serenos. A vida é curta. As palavras se perdem no vazio do continuum. Os atos se apagam no caminhar da memória. Mas os sentimentos, as emoções? Ah! Estas se eternizam, no coração, na pele, na alma das pessoas. E eu sei, te fiz feliz.

"Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver."
Dalai Lama

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