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Quando foi, onde foi?

Posted by Eve Rojas on 3:15 PM in , , , ,
Não lembro do meu primeiro cigarro. Não lembro quando a chuva caiu sobre o meu rosto me emocionando pela primeira vez. Não me lembro. Minha memória tem o mesmo foco da minha miopia. Muitas vezes enquadrada, seletiva e disléxica. Troca o sim pelo não, esbarra no talvez e desaparece no “foi”. Embaçada, vislumbra outros mundos como se o nítido fosse o turvo da junção aleatória das cores. Nessa atmosfera de “frames” confusos, coisas incríveis me acontecem e eu apenas consigo escrever sobre a dor. Sobre a dor de querer, sobre a dor de ter. Essas lembranças impertinentes põem a baixo a porta do meu pensamento sóbrio. Tento expurgá-las, mas nasci inapta para a claridade. Tento ameaçá-las, entretanto provocar é perder o prumo. Então me alio e me deslumbro vendo estrelas em cada ponto dos círculos de luz. Sabores bem quistos. Dessabores honestos. A diversidade de mundos se sobrepondo a minha visão é a mesma dos eus que saem e sobressaem em lapsos temporais cada vez mais próximos. O prazer pela contradição me leva até as fronteiras de mim quando a retórica já não é mais clara. Estanco, retrocedo e me perco. Decadência de virtude em um corpo estranho. Limites materiais numa emoção transbordante. Já não caibo em mim. Espaços inabitáveis para esta errância bendita de eus numa geografia primária tomada por refugiados. Muito perto estou do esquecimento. Perto o bastante para deslocar o que há de sedento, prolongar a dor e retirar a pele interior. Abrir estradas e acabar sozinha, sem honras, onde jaz a lembrança, em um cemitério sem reminiscente. Não sou ilha inabitável nem corpo do mundo, antes espessura da matéria conhecedora apenas do pensamento. Grafias sem signos em uma planície sem fim. Ficção. Às vezes é tudo ficção diante da racionalidade totalizante. Às vezes é tudo racional quando o real é mero conto de palavras estranhas a tentar formar fila sobre o retângulo de superfície branca. Mais uma vez redenção. Clama oprimido, clama pelo estado de exceção da narrativa. Não há como conquistar, a primeira já não sabe quem é. Há? Para quem é nômade é difícil pensar em lugar original. Difícil para quem? Para o devir ou para o afim? Quem retruca? A aflição é em mim. Um eco ressoa, a voz é tua ou minha? Esse ser-se várias vezes humano é perturbador. Partículas vibram e se colidem no afã pelo despertar do infinito ético, enquanto fatores naturais se aliam para incitar os instintos primitivos. Não pretendo ser resíduo ou edifício em campos de detenção. Mesmo que o meu corpo falhe, minha memória padeça, minha fala esqueça, minha alma há de se levantar a cada tropeço, a cada passo em falso para que a verdade não seja resto, mas matéria-prima. O sentido é insignificante quando a janela dos olhos não se é capaz de enxergar. Quem das obras vê, quem das palavras pode ler a intenção do coração dos homens? Meros jogos de poder e falsas verdades. Placebos alucinantes para pacientes terminais. Compreender o outro é confrontar a si mesmo. Irromper em medo, desviar da ruína. Descobrir que o amparo é apenas mais uma ferida, onde, aquele bom Caetano diria, que “o mal é bom e o bem cruel”. Clichês da estética da sobrevivência. Bárbaros discursivos, o sofrimento ressuscita e a memória guarda meu tempo incerto de morrer. Ergo meu corpo oblíquo ao céu em equilíbrio escasso, na fronteira do inabitável, tentando encontrar a luz, aqueles pontos multicores aglomerados, onde minha fé encontra regojizo na esperança do porvir. Encontro territórios encravados em outros, me reconheço. São tantas cicatrizes a reivindicar suas próprias vozes... São Longuinho, São Longuinho, se me mostrares onde me perdi, dou três pulinhos.

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