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Corte

Posted by Eve Rojas on 12:57 PM in , , , ,
Nessa busca interminável por amor é fácil desenvolver a cegueira da vida diária. Passamos por lugares, por pessoas, na maioria das vezes com o automático ligado, como se a lógica do mundo não afetasse a nossa. Mas como? Criamos um mundo em que vivemos e outro onde há ausência de nós? Lá da janela eu avisto a rua às 7:30 da manhã. O sol brando irrita meus olhos, recuo e começo a andar. Pego o ritmo: banho, música, dentes, cabelo, tv, espelho, hidratante, roupa, perfume, café, relógio, computador, jornal, carro, rua, trânsito, celular, produção, produzir. Nenhuma palavra falada, nenhum olhar desviado. O universo de mim é infinito mas a minha expressão corporal é limitada. Irremediavelmente me deparo com a morte inevitável da ordem das coisas e dos semelhantes. Logo penso tão profundamente em cenários alternativos que a ansiedade irracional me leva a uma busca interminável por desculpas. Enganos, egoísmos... Estranho imaginar que um mais um possa vir a ser igual a um. Lanço-me na busca por centros diversos. Durmo e levanto com a impressão que dos dias em rotina não sobra nada, nem a lembrança do que foi, quando o hoje se passa como se nunca tivesse acontecido antes. Eu vou aprendendo a respirar e não a sobreviver no caos das muitas poluições diárias. Essa máquina desfaçada de humano, essa sensibilidade de sorrisos em caixa, os colírios de lágrimas, as esmolas como profilaxia-placebo da indiferença, são passos rumo ao paraíso proibido dos amantes dos descartáveis. A culpa diz que ainda há alma, o medo aprisiona em covardia letrada e de repente apenas seguimos as marcas. Siga em frente, vire a direita, não olhe para trás, aquela pedra é falsa, não ande descalço, não esqueça o casaco. Coquetéis de proteção que acabam com o sistema auto-imune. Sem sofrimento não há compaixão. Mas quem disse que necessita-se dessa compaixão? Sem dor não há crescimento. Quem disse que essa era a única via do crescer? Impressionante essas supervalorizações. Tudo parte das desculpas das culpas, essas sim parecem indispensáveis a sobrevivência humana. Não há aquele que consiga reconhecer-se essencialmente mal e diminuir-se diante do outro. Ou há regojizo na maldade ou tentativa de conquista da piedade. Somos maus, essencialmente maus, tanto quanto possivelmente bons. Nessa existência a linha é tão tênue, que nesse resgate é tudo uma questão de incidência da luz no prisma. Vista-se e dispa-se. Você acaba de romper o casulo, suas asas doem, suas pernas tremem, seus olhos estão ofuscados e você tem fome. Dê o primeiro passo na sua própria estrada, caia. Suas asas não estão preparadas, seu corpo é desajeitado e não há fala. Seu infinito tem a distância do seu galho ao chão, mas logo será da consciência de si à imensidão. Atreva-se, desafie-se. Tudo novamente. Tautologia quase hilariante, claustrofobia tirânica do prazer e da negligência. Performando o imperdoável com esse corpo deliberado em segunda ordem, vulneráveis e acusadores, nossos atos são de bombardeio e passividade irreconhecíveis. Envolvimento carismático com a opressão. Se pode encontrar outra ordem de responsabilidade? Devo narrar em primeira ou em terceira pessoa?Nada se sabe.

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