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Paralisia do esquecimento
Paro na esquina do
teu olhar , nesse horizonte agudo, onde
o mar parece precipitar-se no contido. Vejo traços de neblina, um silêncio sem
luz, uma explosão sem notícia. Talvez sejam os meu olhos, árduos, escravos, de
uma visão apreendida incolor. Fala, meu amor, fala. São as traves nos meus
olhos? As muralhas com que te deslocas ou o real batendo à tua porta? Liberta
para que as palavras brotem do desconforto da tentativa de expressar o sentir,
ao menos, na retina. Fala, meu amor, fala. Sinto lágrimas na garganta, uma a
uma. Percorrendo as minhas entranhas corroídas, inundando aos poucos. Sufoco,
inerte, desejando o louco. O grito, o desabafo, o descontrole do corpo à
queimar no gélido das horas infantes. Diz-me, meu amor, diz-me. Haverá segunda
chance? Ando sempre faltando um pedaço:
Um estilhaço, um sapato, um braço, um traço. Um traço! Fala, meu amor, fala. As
lembranças brincam na terra do nunca. Nunca houve? Ouve: São meus sussurros de
angústia. Esqueço o que não devo, lembro do que não quero. Primeiro as chaves,
depois a confusão dos dias, o embaraço das horas, os nomes, quantos são os
nomes! Já trocava as letras e os números nunca me foram melhores amigos, mas
agora, falta-me a coerência. A linha
continua onde se alinhavam as queridas palavras, me permitindo tentar, contar,
guardar os instantes melódicos e dissonantes. Nessa paralisia inquieta,
ensurdecedora, eu te ouço. É aqui onde
se inicia a remissão? Fala, meu amor,
fala. A névoa se adensa. No teu semblante o sossego que minha pele nega. Fico
ao teu lado recebendo tuas cifras e decodificando o meu amor para que o recebas
sem filtros. Sou eu, meu amor, sou eu. Fala comigo! Não porque haja abismos
nesse cessar de ruído mas para que as tuas dores cessem e teus olhos voltem a
luzir.Fala, meu amor, fala.